JOÃO DE SOUZA MACHADO
Nasceu em Vila Vasconcelos, distrito de Tapes, no Rio Grande do Sul, no dia 06 de janeiro de 1939.
Fixou residência em Porto Alegre, RS, desde os dezesseis anos de idade.
Membro da Casa do Poeta Riograndense.
LITERATURA RIOGRANDENSE VOL. 6 (Poesia & Prosa). Org. de Nelson Fachinelli. Capa de Mozart Leitão. Porto Alegre, RS: Editora Proletra, 1985. 126 p. Col. Literatura Riograndense Atual, v. 6). ). Ex. bibl. Antonio Miranda – doação do livreiro Brito (DF)
FADO MILENAR
Laciate la esperanza
voi que entratge”
— DANTE em O Inferno
São mil espadas no terceiro infando
Dilacerando vísceras — Atrozes!
Almas calcinadas — Lêmures andando.
Bocas desgrenhadas, protestando vozes.
E vai-se a procissão de espectros arrastando
Os antigos grilhões. Os ferros multiformes
A guisa dos cordéis. E os fantoches em bando
No círculo fatal da tirania enorme!
Sua luz de esperança é cristal de ilusão.
Imagem enganador — amarga sedução,
No aceno trepidante do toque de um sino...
No fero tribunal, a lei encapuçada,
Com todos os triunfos e as cartas marcadas,
Lavra a última sentença ao canto de um hino.
MAKTUB
Atravessava eu, o mar amargo da existência.
No barco do destino — tripulação amotinada.
Sem uma ilha ao menos a dar–me consistência,
Na dúbia travessia que leva para ao nada.
Nesse mar implacável não há alternativa.
Pois somos impelidos em rota ignorada.
Em frágil barcaça, vagamos a deriva,
mergulhando cegos na queda inesperada.
Porém, no mar da tradição boiava um alfarrábio
Com Mapas... Legendas... Inscrições e Astrolábio
E a Senha para entrar na Ilha dos Templários...
Penetrando os Elementos Cósmicos da Consciência,
Guiado por Ariel, — A brisa da Providência,
Navego para Vida com firme Itinerário.
SOLIDÃO
Neste momento a solidão amarga,
Fecha seu cerco na prisão tenaz.
Cumprindo sua pesada carga,
Sobre este corpo débil e fugaz.
Estou ilhado no maior deserto;
Mesmo estando em plena multidão.
Sinto a intolerância a bafejar-me perto
Na mais estranha e triste compulsão.
Que o romper este círculo vicioso
Que me circunda irônico — malicioso.
Me condenando em prisão de horror...
Que me perdoe aquele que me lê,
Mas, peço que cada dia um me dê,
Uma migalha do mais puro amor.
ABISMO EM LUZ
Óh! linda manhã, — digna de registro!
Sinto-me insuflado de ares benfazejos.
Fugiram os elementos baixos e sinistros;
E a natureza tange em dulcíssimos arpejos.
Oh! radiosa manhã juvenil, vestida em ouro!
Na sempiterna majestade da primeira eclosão,
Em que Deus esbanjou seus dotes e tesouros,
Na Sua Primeira e Augusta Manhã da Criação.
Aspiro esses primores em profundos haustos.
Reverente, como se fora o último holocausto
Que rendo aos deuses, amparado à minha cruz..
Quisera morrer numa manhã com esta,
Na suprema glória de um Final em festa;
Numa fusão de lumes a desfazer-me em luz.
CEPTICISMO
Toda essa vida em fluxos se evapora,
No dilema absurdo da existência.
Em cada mente, palpitando, mora
Mil interrogações da consciência.
Em cada peito, pulsa uma incerteza,
Mesmo no de um crente fervoroso.
A dúvida é de nossa natureza,
O processo contraditório e caprichoso.
Um Voltaire! Um Elias ou um estúpido.
Um sábio, um santo, ou um corrupto,
Todos viajam para a mesma parte.
As teologias são contraditórias:
Viver em derrota p´ra morrer em Glória.
— Eis a estultice transformada em arte!
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Página publicada em setembro de 2021.
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